sábado, 30 de outubro de 2010

O olhar - 2

Continuação de "O olhar - 1" 

Interior/dia
Uma sala ampla, decorada com móveis modernos. Grandes janelas abertas, as cortinas esvoaçam empurradas pelo vento. Alguém começa a bater na porta insistentemente. Silêncio. Batem novamente, com mais força. No quarto, deitado de bruços, Renan acorda assustado. As batidas continuam. Ele olha o relógio, que marca onze horas, e se levanta, meio sonolento. Apenas de cueca samba-canção, segue até a porta, olha pelo olho mágico. Ele encosta a cabeça na porta e a mexe negativamente, e a abre. À sua frente está uma garota com cerca de 20 anos, morena, bonita, lágrimas escorrem pelo seu rosto. Ela entra, ele fecha a porta e vai conversar com ela. Muito nervosa, ela diz a Renan que ele não pode fazer aquilo com ela, que ele a está ignorando, que desde a adolescência eles foram amigos, mas que agora as coisas ficaram diferentes e que ela não consegue nem pensar em ficar longe dele. Ele a chama de Rosa e pede que pare com aquilo, dizendo que ela está confundindo tudo. Diz que gosta muito dela, mas não quer se envolver e que ela tem que parar de procurá-lo daquele jeito. Diz que o porteiro do prédio só a deixa entrar porque a conhece, mas que vai avisá-lo para barrá-la da próxima vez. Ela chora, e começa a bater no peito Renan com os punhos fechados. Ele a segura, e ela diz, chorando, que ele não tem coração e que vai se arrepender do que fez e sai correndo, abre a porta e a bate com força atrás dela. Renan fica olhando para a porta, a cortina, atrás dele, voando ao sabor do vento.

Interior/noite
Sala do apartamento de Renan. O telefone toca, ele vem lá de dentro e atende. Ouve por um momento. Assusta-se com o que ouve e pergunta nervosamente o que aconteceu, como aconteceu, o que houve com ela. Ouve mais um pouco, desliga o telefone, pega carteira e chaves de uma mesinha e sai apressado.

Exterior/noite
Renan chega à frente de um prédio. Viaturas policiais e de resgate estão por ali. Ele encontra o rapaz com quem estava na casa noturna e pergunta o que está acontecendo. O amigo o segura e diz pra ele se acalmar e conta que os vizinhos começaram a sentir um cheiro estranho e resolveram chamar a polícia. Quando entraram no apartamento, Rosa estava morta, devia estar assim já há uma semana. Renan diz que isso é loucura, que ela tinha saído da casa dele exatamente há uma semana, que ele não imaginava que ela iria fazer isso. O amigo diz pra ele não se culpar, que ele tinha falado com os socorristas e com o médico legista e eles disseram que ela parecia não ter se matado, pelo menos não havia nenhuma marca no corpo e nem vestígios de gás, de pílulas ou alguma coisa que sugerisse suicídio. Afirma que parecia apenas que ela havia definhado até a morte e que Renan não podia tomar para si a responsabilidade. Renan fica estático, olhando para as viaturas, parecendo hipnotizado pelas luzes coloridas piscantes dos veículos, que se refletem em padrões em sua face.

Interior/dia
Renan chega ao prédio de Rosa. Fala com o porteiro e o chama de seu Antônio. Eles conversam sobre o que ocorreu, e seu Antônio dá os pêsames, diz que sabia que eles eram amigos e pergunta se Renan sabe se a família dela virá do interior para buscar as coisas. Renan diz que sim, que havia falado com eles, e diz que ele veio justamente dar uma olhada nas coisas para ver que jeito eles vão dar em tudo. O porteiro diz que, já que é Renan que está ali e o conhece há anos, tudo bem, ele pode subir. Renan atravessa o hall, ao lado do qual há um longo vidro que dá para uma bela piscina. Ele entra no elevador e aperta o número 15. Sai do elevador, pega um molho de chaves e entra no apartamento. Ele circula aqui e ali. Olha alguns CDs. Sobre outra mesa, vê um porta-retrato com uma foto sua em preto e branco. Ele está mais jovem, de camiseta e calça, sorrindo efusivamente. Ele pega o retrato e olha para a frente, para o nada. Imagens em preto e branco mostram aquele momento, Rosa com a câmera, tirando várias fotos, ele fazendo diversas poses, algumas engraçadas, os dois se divertindo e rindo muito. De volta de seu devaneio, ele abre os olhos e fica algum tempo fitando o porta-retrato com um olhar triste. Ainda com ele na mão, vai até a janela, abre-a e olha pra fora. Lá embaixo, vê-se o azul da piscina. Fica um tempo ali. Quando resolve fechar a janela, o retrato, que estava em sua mão, cai. Ele olha para baixo, e vê que a foto ficou em um pequeno beiral abaixo da janela, que segue em torno de todo o prédio, em todos os andares. A foto está virada para cima. Ele se debruça no parapeito, estica a mão, mas não o alcança. Inclina-se mais ainda, seus dedos apenas roçam o retrato. Vemos a imagem estática e sorridente do retrato de Renan e depois ele próprio, ofegante pelo esforço, vermelho, se esticando todo, com os cabelos caindo para a frente, tentando pegar a foto. Por trás, de dentro do apartamento, vemos que ele não toca mais os pés no chão, e está totalmente pendurado na janela na tentativa de recuperar o retrato, e na sequência, ele escorregando para fora e a janela ficando vazia. A câmera se aproxima da janela, posiciona-se para baixo. Não se vê mais o retrato no beiral e, quinze andares abaixo, a piscina está tingida de vermelho. FIM.

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