quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Baratópolis 2

Depois que fomos assaltados várias vezes naquela casa, decidimos rapar da boca. E fomos, eu, Joca e Patrícia – e depois a Fábia - pra um muquifinho um pouco menor na rua Célia. Era casa de frente em uma ruazinha com várias casinhas iguais. Era legal porque tinha um boteco numa ponta, e o restaurante do Ô na outra esquina. A casa era do mesmo tipo: feita de areia, as portas eram tortas (não digo só as portas, mas os buracos das portas!), e o assoalho era igual ao da outra. Mas a casa parecia melhor. Só parecia. De vez em quando apareciam algumas baratas, mas nada anormal. Íamos tocando.

E foi aí que veio o horror! O horror! Eu tava voltando de viagem. A cidade estava molhada, parecia ter chovido muito. Cheguei na casa, ninguém. Mas algo estranho: muitas, mas muitas baratas mortas em vários cantos. Algumas ainda agonizavam movendo as perninhas. Jogados ao chão, como espólios de uma retirada desabalada das tropas em desespero, vários tubos de inseticida. Visão amedrontadora. Deixei minhas coisas e fui procurar o povo. O primeiro lugar da busca foi no bar dos tremoços. Nada. Em outros bares nas imediações. Ninguém. Na Marasmo, república próxima, lá estavam.

Era fim de tarde. Uma tempestade braba se avolumava. Nuvens pra lá de feias chegando. E a água desabou torrencialmente. Fábia e Patrícia estavam a sós, amedrontadas porque a casinha parecia não estar muito a fim de enfrentar a fúria elementar. A água desabando. Muita. Eis que surge uma, duas, algumas baratas. Aaaaaahhhhh! (imagine gritos de mulher nessa situação). Saem correndo. Pegam inseticida. Mandam ver. E chove mais ainda. E foi então que elas viram... Do forro do teto, e do assoalho, começaram a brotar centenas e centenas de baratas, elas berrando (as meninas, não as baratas), mandando ver nos inseticidas, baratas subindo pelas pernas, elas se borrifando com o veneno como se fosse repelente, a visão do inferno cascudo. É claro que a coisa podia ficar pior: acabou a luz. Daí elas desistiram. Saíram da casa sem olhar pra trás, mesmo embaixo do aguaceiro todo. O problema todo, descobriu-se depois, não era só da nossa querida casinha purulenta, mas de todo o quarteirão, que estava condenado, com sistema de esgoto totalmente acabado.

Enfim, esta foi mais uma aventura sensacional patrocinada pelo nosso baratóide preferido. Fui!

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Da série perguntas que ninguém responde

para já

pra parar de trabalhar
tem que trabalhar mais ainda
daí vem a questão
parar de trabalhar
ou parar de pensar
em parar de trabalhar

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Baratópolis 1

A Vanda acha um horror as histórias de república de Bauru. Principalmente a parte das baratas. Mas elas eram legais, davam uma identidade inconfundível às nossas moradas. Na república da Joaquim da Silva Marta, a casa era de fundo. Entrava-se por um corredor detonado para, lá atrás, encontrar a casinha, mais acabada ainda.

A ligação de água era clandestina, daí a gente nunca ter pago nada em todo o tempo que moramos lá. A casa era velha, parecia feita de areia: se você fosse cutucando a parede, com o dedo mesmo, conseguia fazer um furo. O assoalho, de madeira, era daquele tipo que cede ao peso dos passantes.

Embaixo do assoalho... Bem, a crise de moradia para estudantes em Bauru era grande. Ninguém queria alugar pra esses baderneiros maconheiros. E as baratas também eram hostilizadas nessa região conservadora do desertão paulista. Daí precisarem de abrigo, carinho, proteção e muito alimento quase de graça. Ali, embaixo das madeiras sob nossos pés, elas viviam em paz.

Nossos móveis eram feitos de caixas de madeira roubadas da feira. Quando o dono da geladeira foi embora, eu e o Joca Terron fomos atrás de outra. Conseguimos uma pechincha por uma gelas quase sem fundo – tava todo carcomido pela ferrugem, com a lã de vidro pendurada como uma língua obscena. É claro que ela não durou muito. Ao quebrar, virou armário, e passamos anos sem geladeira. Quando precisávamos tomar uma coca gelada no almoço, íamos à casona ao lado, e pedíamos gelo, sob desconfiados olhares da vizinha. Para a cerveja, bastava ir até a padoca da esquina.

Nos memoráveis churrascos de final de semana, enchíamos a máquina de lavar tanquinho do Paulo com gelo e tascávamos as cervejas lá, normalmente depois de uma noite inteira gelando no freezer do Laurão, que tinha um bar mais abaixo e fazia os melhores espetinhos de frango empanados que eu já comi. No Laurão eu pude me deliciar uma noite assistindo ao Coringão ser campeão brasileiro, pela primeira vez, em cima do São Paulo na final em 1990. O melhor, ao lado do Joca e do Beto, dois são-paulinos mais chatos do planeta, se bem que são-paulino chato é pleonasmo pra lá de vicioso. Bons tempos nessa decepção futebolística atual em que nós, corintianos, nos metemos. Deixa pra lá.

Numa outra vez, um cabeçudo qualquer, acho que o próprio Beto, derrubou e quebrou a pia do banheiro. Não nos fizemos de rogados: não a reinstalamos por questões sentimentais, imagine quebrar toda uma desarmonia natural que ia se instalando com tanto requinte naquele muquifo? Ficamos sem pia até nos mudarmos de lá. Escovar os dentes era no banho ou na pia da cozinha mesmo.

Isso tudo é para ilustrar como o terreno era propício a todos os tipos de vermes rastejantes, como nós e as baratas. Ah, elas eram bastante ativas. À noite, ouvíamos as bichinhas roerem papéis. Teve um ano em que eu trabalhei pro IBGE fazendo o censo. Uma vez fui entregar um lote de questionários para meu supervisor, e alguns deles estavam até furados. “Acho que tem rato na sua casa”, disse ele. Mal sabia.

Tínhamos dois gatos, um preto, o Tai, e um branco, o Chin. Eles sumiram, assim como a Laura Palmer, outra gata que tivemos. Na verdade, nós abandonamos a Lauritcha lá, e, quando voltamos para procurar, ela tinha sumido. Os gatos nos davam presentes. Quando você acordava, lá estava uma barata meio comida olhando pra você, em cima do seu peito. Ah, que tempo bom, que alegria, quanto alto astral!

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