terça-feira, 20 de abril de 2010

Uma questão de postura

Recebo mais uma vez matérias desqualificando o Lula na Financial Times, esse templo do liberalismo. E mais um monte falando de falcatruas e sujeiras do governo. Estou cansado de ficar respondendo o que eu acho. Que a questão é de POSTURA. Para evitar ficar falando a esmo, resolvi postar aqui uma resposta-padrão, tentando pelo menos incutir na cabeça de alguns que o que eles acham que veem não é bem o que veem, o que acreditam não é a "VERDADE". Que a questão é ter ou não ter orgulho e amor-próprio. Que é peitar os neoimperialistas. Segue minha virtual resposta a mais uma batelada dessas pseudoargumentações via e-mail:

Não se trata de honestidade. Porque se for enumerar as sujeiras, tenho uma lista enorme de merdas feitas por FHC, Serra, Covas e quetais. Só pra começar, o PSDB inventou o mensalão na época da emenda da reeleição. O Azeredo está aí que não me deixa mentir. E tem muita, mas muita sujeira deles. Então, não adianta ficar se fazendo de puro, de honesto. A diferença é que a Veja não estampa o Serra e as denúncias contra ele. Só faz essa caca que fez agora, cópia descarada da foto do Obama na Time, já o tendo como eleito. É claro, tem um monte denúncias sobre favorecimento da Abril, de que o Estado de SP compra milhares de exemplares deles SEM LICITAÇÃO, então eles têm que devolver a gentileza. E a Globo também, já que está sendo acusada de ter recebido um terreno grilado pelo Estado pra fazer sua "escola multimídia" no Brooklyn.

Mas não é nada disso. A questão é de postura frente o mundo. Tem é que peitar os EUA e a Europa, esta é a NOSSA relação com o mundo, não deles. Por que ninguém fala em cortar relações com a China, que NÃO é uma democracia? Por que a Grã-Bretanha e os EUA não fazem isso, já que são os paladinos da justiça no mundo? Porque não interessa a eles. Mas interessa a eles que a gente se dê mal com esse povo, pois assim eles mantêm o poder. Eles nunca estiveram nem aí pra gente. Mas agora, que somos uma economia em crescimento, crescem o olho. E já que agora a gente interessa a eles, então eles que ouçam o que a gente tem que falar.

O que a direita não sabe é conviver com a democracia. Hugo Chavez é fanfarrão? Sim, mas FOI ELEITO DEMOCRATICAMENTE DENTRO DAS REGRAS QUE A CONSTITUIÇÃO DELES PERMITE. Está mudando a constituição? MAS DENTRO DO QUE PERMITE A LEI. Foi o que fez FHC com a emenda da reeleição. E conseguiu, sob denúncias, mas enterrou todos os pedidos de abertura de CPI, e ninguém pediu um golpe de estado nele.

Aqui, a direitona se une com a Opus Dei no Instituto Millenium e ainda dá cadeira de honra ao Marcel Granier, da RCTV. Sabe quem é esse? É o cara que apoiou integralmente o GOLPE DE ESTADO na Venezuela, quando depuseram o Chavez em 2002. É isso que o Mainardi, o Jabor, o Az(ev)edo gostariam, de ACABAR COM A ESQUERDA (palvras do Jabor, não minhas). Esse Granier tinha que estar preso, pois o que fez foi um CRIME CONTRA A CONSTITUIÇÃO DO PAÍS. Mas não, ele vem pro Brasil e é tratado como herói pela Veja, pela Folha, pelo Estado, pela Globo, pelo PSDB, pelo DEM. Daí você quer argumentar? Quer dizer que esses caras são puros e geniais? Ah, não.

Isso foi o que começou  a acontecer em 64, quando a classe média, empurrada pela mídia (Estadão, Globo, Folha, principalmente), saiu às ruas pedindo por um golpe de estado. E foi o que deu: gente torturada, sumida, acabada. E tem gente que tem coragem de tachar quem pegou em armas de "terrorista". Ou seja, sua mulher grávida está sendo estuprada numa cela, seu filho, se não morreu, é sequestrado e dado para a mulher de um general imbecil qualquer, ela é jogada no mar, e o que se espera de você? O que se espera da sociedade? Que resista, que lute. E foi aquela merda toda. A questão aqui é evitar que se invente isso de novo. Estamos em um país democrático, somos um país de respeito e queremos ser respeitados. Mas a própria mídia joga contra. Está morrendo, é um suicídio, pois o que sobra é falta de confiança e raiva de quem está do "outro lado". O mais honesto seria declarar apoio, criticar em editoriais. Mas manter uma cobertura equilibrada. Mostrar também os podres do "seu" lado, e igualmente as coisas boas do "outro" lado. O que é insuportável é essa hipocrisia de se dizer "isento", "buscador da verdade", quando a realidade é pior do que pau de galinheiro. Mas acho que é pedir muito, pois quando se começa a MENTIR, isso mesmo, MENTIR em público, a coisa já passou do ponto de volta.

Mas fiquem frios, direitistas, se o Serra ganhar a eleição, a gente vai voltar a tirar os sapatos na presença dos gringos, vamos vender a Petrobras inteira, vamos permitir novamente a farra no sistema financeiro e vamos novamente nos ajoelhar. Afinal, é pra isso que a gente serve, né?

segunda-feira, 19 de abril de 2010

De volta à sujeira de 1989

Cara, realmente dá nojo. Estamos de volta no embate de 1989: Lula x Collor. Os dois personagens principais de hoje, claro, não têm o carisma daqueles lá. E muito menos um deles seria um dos brasileiros mais populares na Terra, altamente influente no modo como o antigo dito terceiro mundo se porta hoje, peitando quem se achava dono vitalício do planeta, trocando em miúdos, EUA, Europa, Japão e asseclas.

Reaças em geral podem torcer o nariz, mas o Lula is the man. Sempre votei nele porque ele é o ungido, e aqui não vai nenhuma tez religiosa dentro, quem me conhece sabe que eu perco uma unha, mas não dou mole para as religiões messiânicas. Mas porque sempre soube que ele era uma resistência. Tenho o prazer de ter participado dessa história, de ter votado nele na adversidade, de tê-lo visto naufragar contra o neoliberalismo dos anos 90, de ter confiado e agora ver que era o cara certo.

Não me venham com ladainhas. Não me venham listar corrupções. Nunca tive a ilusão de que o poder fosse limpo. É sujo, e quem se enfia nele se emporcalha. Mas venho novamente lutar contra um jogo mais sujo ainda, do poder sem escrúpulos, dos donos da mídia, dos capitalistas selvagens que, apesar de mamarem pra caralho nessa onda de crescimento econômico, se articulam porque a única coisa que veem é o cifrão na frente, a lavagem cerebral da privatização de tudo, a ideia de que colocar movimentos sociais e pobres na linha do diálogo – ou do simples atendimento de desejos básicos como uma coca-cola, geladeira, casa, carro e até viagem de avião – é algo negativo, algo condenável.

Não adianta vir com discurso. A questão não é saber da verdade. Mas saber qual é a verdade que você tem. Quando todas as grandes mídias se reúnem sob o Instituto Millenium e falam com todas as letras que é preciso lutar contra o governo e, se possível, nas palavras desse gênio que alguns acham que é o Arnaldo Jabor, chegar a um momento em que acabasse essa “esquerda que não deveria existir˜, ou seja, em que teoricamente eu posso estar inserido com mais milhões de pessoas, o que eu devo esperar? Quando esse senhor aparece em horário que vale milhões na TV vociferando suas “verdades”sem um mínimo de compromisso com fatos, inventando e distorcendo, dá medo. Isso que é ser um verdadeiro democrata!

O que dizer da Veja?, ora, mas a Veja já não conta mais, não é mesmo? Nem vale a pena falar, é a borra da merda de cachorro que se limpa do sapato quando se chega da rua emporcalhando a casa toda.

E a Folha? Um abjeto grupo que apoiou a ditadura – inclusive, segundo consta em várias referências que podem ser encontradas pela rede afora, fornecendo suas prróprias kombis de entrega dos jornais para transporte de presos políticos (quer coisa mais abjeta que isso?) – e que depois reconquistou audiência com um jornalismo ágil e uma postura de estar ao lado do leitor (na época, uma falácia, mas crível para muitos, como percebemos agora) para jogar tudo fora numa relação promíscua com o PSDB e, pior, com unha e carne com o Serra, que, segundo consta também, costuma ter poder de emprego ou rua para os próprios jornalistas da casa. Que se danem, se estão lá e não se rebelam, merecem o que têm. E aquela coisa, chamada Cantanhede, toda prosa, toda animada com a festa do Serra, dizendo que a deles é uma massa “cheirosa”, só se iguala à indecência do Casoy tripudiando e humilhando os garis em rede nacional. É nesse tipo de pessoa que a classe média, infelizmente, acredita, que põe uma fé que está “isenta”, que está dizendo “a verdade”. E as mentiras – ficha falsa, artigo do estupro do Lula, a frase que Dilma não disse etc e tal? E, pior, a senhora Judith, executiva do jornal e presidente da ANJ, dizendo que os meios de comunicação devem fazer o papel da oposição que – coitadinha – está fragilizada nesse momento. Isso que é uma verdadeira democrata! Onde ela estava quando o Lula perdia uma eleição atrás da outra e a esquerda parecia fadada a sumir sob a avalanche neoliberalizante dos anos 90? Quem estendeu a mão? Quem defendeu sua existência para o aprimoramento da democracia?

O que falar da Globo, construída sob patrocínio ianque para dominar corações e mentes na ditadura, que ignorou e depois foi foi vaiada nas diretas já, que fez a edição do debate Collor X Lula, que tratou como quase inexistentes o mensalão da emenda da reeleição, a privataria, o Sivam, a paridade do dólar, o Daniel Dantas, as ambulâncias do Serra, o PCC, as enchentes de SP (tudo culpa da chuva, ao contrário do Rio, em que a culpa é só do governo) e muito, muito mais? E o jingle da campanha de seus 45 anos – com tipologia idêntica ao 45 do PSDB – e com toda a família global falando: queremos mais, a gente faz mais, a gente é mais, tipo alguma semelhança com a campanha do vampiro dos Bandeirantes do “Nós podemos mais”? Ainda bem que a blogosfera bombou e a Globo retirou a campanha do ar um dia depois de ela ter início. Eles estão vendo que logo logo vai voltar o velho e bom refrão: “O povo não é bobo…”

Enfim, é nisso tudo que tem gente que ainda acredita. Não entendem que não se trata só de uma escolha partidária, mas de modelo. Um modelo imperfeito, é claro, mas um modelo em que a gente levanta a cabeça e fala pro Obama: meu caro, aqui agora mando eu. Em que a gente pode comprar o básico e dar um presente chinês, um que seja, para o filho no Natal. Em que milhares de vagas ociosas em faculdades país afora agora estão preenchidas por alunos das classes mais baixas. Em que tem empresário enchendo o rabo de ganhar dinheiro e ainda cospe no prato que come. Um lugar em que a desigualdade está diminuindo e em que não foi preciso privatizar um único parafuso da Petrobras pra gringo nenhum. Imagina o que a direita está esfregando as mãos. Devem estar falando: vamos vender tim-tim por tim-tim. E depois que se dane. Vamos voltar a obedecer o Tio Sam, tirar os sapatos na sua presença, vamos isolar Cuba, o Irã, quem sabe a China, aquele paizinho onde não tem nenhuma democracia. E vamos dizer aos EUA que eles podem continuar a dar rios de dinheiro aos seus agricultores e podem continuar taxando nossos alimentos e nosso álcool. Vamos abaixar cabeça. Vamos nos colocar em nosso lugar, que é o terceiro mundo, e ficar feliz quando eles nos passarem a mão na cabeça de vez em quando e nos jogarem um resto de osso carcomido.

Sinceramente, não é esse lugar que eu quero viver. O governo faz coisa errada? Sim. O próximo de esquerda vai fazer merda? Provavelmente. Mas pelo menos são e serão merdas novas. Não datadas de 500 anos. E com certeza serão merdas com recursos próprios. Não emprestados a peso de ouro escravo do FMI.
  • Para uma comparação legal de 1989-2010, veja no Azenha, aqui.

sábado, 17 de abril de 2010

O universo em um pedaço de marguerita mastigado

Não tenho nada na cabeça mesmo. Não neste instante. Nem em outros precedentes. Engraçado, né? Porque se eu estou pensando nisso agora é porque, no fim, tenho alguma coisa na cabeça. Mas não é a isso que me refiro. Esqueço rostos e nomes. Que vergonha. Tenho que fazer uma listinha e discretamente olhar enquanto cumprimento os convivas da festinha de seis anos de meu filho. Cobradores tentam ligar em meu celular, mas nem a caixa postal lhes dá uma informação que preste. Lentamente, vou seguindo a lâmina de barbear pelo meu rosto sem me tocar que a barba já se foi ralo abaixo há pelo menos quarenta minutos e trinta e três...trinta e quatro...trinta e cinco segundos. Meu último relógio parou no horário de verão de 2001 e nunca mais voltou. Embora tenha capacidade para aguentar uma coluna de água de 200 metros sem se espatifar, dorme silencioso na profundidade de dez centímetros da gaveta de meu criado-mudo. Na cabeceira, agora me lembro, abundam diversos ecos de algo que um dia achei que fosse cultura: HQs, histórias de heróis da navegação antiga, ultracosmologia aplicada, mitologia grega, ficção científica e o jornal de anteontem, pessimamente editado e escrotamente posicionado. Me lembro que faz algum tempo que não compartilho esta cama, ou qualquer outra, e fluidos corporais com ninguém. A saudade de alguém que não existe começa a bater de novo. Mas me lembro que da última vez acabou, pra variar, com um basta! Chega de lamúrias, mulher! Pra que se arriscar a me fazer feliz se há tanta satisfação na incompreensão alheia? Mas deixa estar. Deixa mesmo. Sem sentido, sem tato, sem visão, sem uma companhia que preste, mesmo sabendo que abundam todas as taras na rede. Adoro rede, sim, agora lembro. No Ceará, certa vez, aprendi a dormir numa até de bruços, até roncar. Me arrisco a dizer que se lá morasse não teria dificuldade em fazer uma prole sem nunca ter que colocar de novo os pés nesse mundo cruel. Mas o diabo é que sempre que estico a rede ou faz um sol da porra que esturrica a pele ou chove e venta até cair árvore. Então não estico a dita e garanto o tempo no meio-termo ameno. Quem disse isso? Não, eu não falei menas. Nunca falei menas e nunca falarei menas. Se alguém aqui quiser falar menas que vá pra uma rede menas lotada. Detesto quem fala menas. Isso me deixa fora de si... Bobagens. Insidiosas bobagens cretinas, céticas e cínicas. Três Cs. Cutelo, curitibano e culatra. Três... Ah, o pastel já encheu de ar, está rescendendo o cheiro de queijo e gordura e deixando a boca cheia dágua como só um pastel de feira pode fazer. Peço uma coca pra rebater a ressaca, que já tá indo embora, pois estou chegando da noitada e a feira está apenas começando. Durmo, esqueço. Já esqueci. Outra hora eu lembro. O telefone toca insistente. As pessoas deveriam ter vergonha de usar esses aparelhos infernais. Atendo. Sou eu mesmo. Meu alter ego, que ficou estendido no quintal, não o deixei entrar em casa. E agora ele está puto. Diz que vai quebrar tudo. Que minha branca de neve, os anões e todos os malditos sapos em poses duvidosas em cima de cogumelos de meu jardim irão pagar o pato se eu não liberar pra ele. Isso não. Não quero que ele volte, com sua arrogância e sua depravação que já me custaram alguns dentes da boca e uma centena de zeradas sociais. Mas isso não, ele fez meus queridos enfeites reféns. Ofereço o pinguim da geladeira, mas, segundo ele, não é suficiente. Ofereço um plus: meu papai noel na cadeira de praia, então. Muito pouco, fala ele em uma voz rouca e ameaçadora. Consigo apenas um anão. Eu queria o Dunga, mas ele só me dá aquele idiotinha do Dengoso, meio viadinho. Mas é melhor do que nada. Suspendo as negociações para até depois do almoço. Vou almoçar pizza amanhecida. Ou seria entardecida? Ah, antigas emoções não morrem jamais. Odores nos captam para memórias envelhecidas, mas prementes. Fazem parar o tempo, esse é o potencial quântico da mente de que tanto falam. Inspiro, expiro. Ah! Caio em uma crise de tosse que quase me faz cuspir um pedaço de pulmão. Me assusto quando voa uma pasta avermelhada de minha boca, mas por sorte é apenas um pedaço de marguerita semidigerido. Olho aquele troço no chão e percebo que tenho o dom da clarividência. Alguns leem búzios, outros o voo dos pássaros. Uns leem a mão, a íris, o cotovelo e o vão entre as orelhas. Mas eu descubro que posso ler restos de comida mastigada. E nela eu vejo. E assim compreendo. O futuro, vejo à minha frente, serpenteando, cada minúsculo espaço de tempo possível fazendo um desenho espiral na vastidão do cosmos. Sim, eu deveria estar ali, mas na verdade estou aqui, vendo que se eu estivesse ali eu não teria que passar a raiva de ter que atender novamente ao meu estridente telefone, bem feito por querer ser moderno e gastar os tubos num telefone retrô com aquelas campainhas penduradas no lado. Alô, sinto muito, mas não estou no momento. Na hora do piiii! deixe algum recado que eu piiii! O sujeito do outro lado me manda tomar no piii!, será que é algum amigo? Vai saber, quando começa a elogiar assim, é melhor desconfiar. Não importa. Já me distraí novamente e aqui estou pensando em como vou escapar desta vespa gigante que entrou se debatendo pela janela. Ela voa pra lá e pra cá e eu, horrorizado pelo seu tamanho. Certa vez, estava numa ilha semideserta – e na verdade, era uma semi-ilha –, e eu vi vespas gigantes, do tamanho de uma mão. Elas se escondiam em buracos no chão que mais pareciam tocas de cobra. Devem ter comido as cobras pra morar nos buracos. Isso se passava enquanto eu me hiptnotizava pelos devolteios da vespinha lá de casa. Não, não, ela veio pra cima de mim, e agora? Saio correndo pelo corredor. Aha! Ficou pra trás. Não! Ela veio no meu vácuo, meu desespero aumenta. Quanto mais eu corro, mais ela encosta. E agora, o que faço? Corro mais, e ela no meu cangote. Entro correndo no quarto, me jogo na cama, ela passa zunindo por cima de mim e sai pela janela aberta. Rolo de barriga pra cima e me dou conta, sou mesmo um nada, um encostado, não faço as mínimas tarefas, lembro de que tem uma coisa que há anos venho prometendo fazer e que não fiz. Aquele descascado ali no teto, eu tinha dito que iria acabar com ele, e lá está, belo e formoso, me olhando, crescendo, biteludo, sendo tomado inclusive por lindas sardas pretinhas, fruto de um emboloramento que vem tomando também a parede, descendo como uma doença contagiosa. Bem, chega. Chega de enrolar. Agora preciso tomar uma atitude. Preciso trabalhar. Sentar no computador e ser um pouco produtivo. Dar minha contribuição para que o mundo progrida. Navegar e… olha esta gostosa aqui. Pronto, já me desviei, preciso de uma punheta urgente, mas meu pau tá ralado das últimas dez que bati ontem. Deixa quieto. Voltando à vaca fria, preciso me concentrar, pensar, criar, relatar. Preciso! Porra! Dormi na mesa. Minha testa está com um vergão de fora a fora, marcada pela borda do teclado. Boa ideia, esta seria uma bela foto para a orelha de minha grande obra. Tá certo que não tem um título ainda. Nem um enredo. Ou uma pesquisa. Nem mesmo um rascunho. Na verdade não tem nem um tema e nem ao menos uma única linha escrita. Está na minha cabeça. Ou em algum lugar, pois se não está aqui, tem que estar em algum outro lugar, não? Afinal, o que não existe tem que existir em algum canto, senão como vai se manifestar em alguma mente? Bem, então está aí. Esse grande nada é minha genial criação. Esse vasto não falar. Um imenso lugar cheio de vazio. Deixa estar. Nada como um dia depois de um dia perdido. Nisso, sou mestre. O artista da desonra. O paladino da falta de nexo. O rei da zerada. Mais uma noite cai. Que tombo. Bom, deixa pra lá. O que tem pra comer? Pão de três dias e feijão gelado, pois acabou o gás. Fazer o quê? Sanduíche de pobre e cama.

Voltei

Fazia tempo que não escrevia nada. Agora volto com mais uma subreptícia crônica de pensamentos aleatórios, como podem ver aí em cima. Quando algum visitante conseguir digerir o calhamaço de texto, vamos em frente.