segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Visitantes Incomuns

Fundação Cultural de Curitiba/Divulgação

Jorge é meu amigo, claro. E muita gente poderá até dizer que eu puxo o saco. Não deixa de ser verdade. Antes de mais nada, ele sempre foi um mestre pra mim. De facão (espadas, para os leigos), teatro de rua e, agora, teatro de bonecos. Já nos demos porrada antes, mas agora estamos entrando na fase cachorro velho. Vemos a dureza e a mediocridade do mundo e lhe damos de volta grunhidos mal humorados de desaprovação: ele não pode nos afetar negativamente.

Ele me enche os pacotes, acha que sou vagabundo, apesar de trabalhar que nem escravo, mas, enfim, creio que tenho o espírito dos índios. Lembro na escola que o absurdo dos absurdos era ouvir o professa dizer que os portugas, ao chegarem aqui e, coitados, sem quem trabalhasse pra eles, tentaram escravizar os índios. Esses, por sua vez, vejam só, por serem preguiçosos, não serviam muito pra função, afinal, o pajé teve uma visão e verificou que o custo-benefício não era dos melhores. Êta povinho, tinha que ser brasileiro, mesmo. Então os portugas tiveram, tadinhos, de encher navios e navios de pretos pra ver se alguém nesta porra trabalhava de verdade...

Enfim, narizão de cera à parte, Jorge estreou um novo espetáculo: Visitantes Incomuns. Corajoso esse havaiano. Teatro de luva, bonecos e adereços lindos, trilha sonora de encomenda e... sem nenhuma palavra. Totalmente mudo, só em mímica e gestos. (Você já deve ter brincado de fazer as pessoas adivinharem filmes por mímica, não? Agora tente colocar um boneco em sua mão e fazer O BONECO fazer a mímica por você. Então, é isso aí, viu como é fácil essa coisa de teatrinho de bonecos?). Voltando, é espantoso como a evolução parece involução para olhos destreinados. A manipulação e o conceito causaram estranheza. Claro, apresentando no Teatro da Maria, pleno domingão no parque Barigui, as pessoas estão mais a fim de saber de entretenimento fácil, piadinhas rasas e gritaria para prender a atenção da molecada. Bom, até que o povo segurou a onda, mas no final começou um entra e sai, e gente falando: “não tô entendendo nada dessa peça”. Bom, basta prestar atenção. É uma peça infantil, entããã-ão, entendeu? Outro falando no celular pra esposa: ah, tô aqui no teatrinho, tá passando uma peça conceitual. PQP! Peça con-cei-tu-al! Insulto! Mãe dos xingamentos! Pra um ator sério, é o mesmo que chamar um escritor de literato! Acinte, horror! Mas tô só zuando.

A questã é que somos indigentes intelectuais. Tudo no Brasil ou tem que ser o hedonismo desenfreado, tipo carnaval, esfrega esfrega, beija vinte, come e limpa o pau na cortina, ou o sofrimento cristão extremo, foco na pobreza, “veja como é lindo meu documentário que mostra a vida dura dos catadores do lixão das imediações de Crateús, ganhou a palma de ouro e um prêmio de um milhão de dólares! não é um sú?” Andar na corda bamba sem cair exige concentração, treino, olhar fixo na ponta do arame, paciência e, acima de tudo, coragem. Mas, fora a corda bamba, todo o resto parece estar em falta.

A Pixar é uma das melhores empresas do ramo de cinema comercialzão da atualidade. Em todos os sentidos. Seus filmes são lindos, feitos com esmero, com preocupação extrema com o roteiro, no qual a técnica apurada acaba vindo como quase conseqüência. Em que pese ter sido comprada pela Disney, justamente para tirar esta do buraco. Os caras estão sempre na frente, sendo copiados atrás. E nunca esmorecem. Inovam, ousam. Ratatouille foi uma ousadia. Mas Wall.e se superou. O filme é lindo. Sua primeira metade não tem um único diálogo. Há cenas memoráveis, como a dança no espaço. A fita estava sendo cotada inclusive para concorrer ao prêmio principal do Oscar, o de melhor filme. Enfim, novamente, eles se colocaram anos-luz à frente de qualquer um.

Mas a Pixar hoje é uma megacorporação. Já o Jorge é a maior megaminicorporação artística de que se tem notícia. Mas a qualidade está ali, a ousadia e a vontade. Os recursos aplicados de forma coerente, tal qual a irmã gigantesca. Estou exagerando? Creio que não. Muita gente torce o nariz. Mas o que é bom é bom. O resto é encenação.