segunda-feira, 23 de julho de 2007

Esconde-esconde com a morte 8

Sistema último de saúde

Eu, grogue feito o quê, dando entrada num posto de saúde de última categoria numa cidade paupérrima. Dá pra adivinhar o esquemão. Uns dois gatos pingados atendendo. Apenas alguns infelizes esperando, a madrugada até que tava boa. Depois da espera de praxe – afinal, eu só tinha voado de um carro num capotamento, pra quê a pressa? – entrei numa sala em que um cara, duvido que fosse médico, me atendeu. Fez umas perguntas, deu uma olhada geral, tirou pressão, ouviu os batimentos. Por sorte ou fortuna, aparentemente só tive arranhões. O cara, sem a mínima vontade de trabalhar, queria me dispensar: Tá liberado.

Não estava no meu melhor, mas mesmo assim eu conseguia pensar no mínimo que qualquer um nessa situação pensaria. Mas como assim? Eu sofri um acidente. Capotei, me esborrachei no asfalto. Você não vai tirar nem uma chapa da minha cabeça? Não, disse o cara, não precisa. Eu encrenquei: Queísso? E se eu saio daqui e pimba, me dá um treco? Precisa de um raio-X pelo menos. O cara, nada, tentando se livrar da incumbência e do gasto: Não precisa. E eu: Precisa. Ele: Não precisa. Eu: Precisa. Até que ele concordou, só que me ferrou pra ter um gostinho: Mas se tirar chapa, tem que ficar aqui em observação. Fazer o quê, aceitei. Fizemos o raio-X e depois fui para um quarto. Tinha umas seis camas, só uma ocupada. Deitei, e o Flávio falou que ia embora e mais tarde vinha me buscar. Apaguei, dormi sem sonhos, um alívio naquela altura do campeonato.

Já quase perto do meio-dia, acordo. O local tava cheio, todas as camas lotadas, gente gemendo, gente passando pra cima e pra baixo pelo corredor, maior confusão. Pelo jeito o domingão era dia de ziriguidum no postinho. Ao meu lado, uma senhora reclamava de dor. No outro canto, um daqueles especialistas que sempre estão por perto, um senhor, também deitado, dava seus pitacos: Ih, isso aí eu sei o que é. Dor no abdômen. Um conhecido uma vez teve isso e morreu logo depois, não deu tempo nem de socorrer. E ficar aqui internado é ainda pior. Um primo meu entrou bonzinho e logo depois morreu de infecção hospitalar. Legal, tio, era o que eu tava precisando. Mais uma vez, eu ia vagarosamente em direção à consciência total.

De repente, entram o Flávio com dois de seus irmãos e uma cunhada. Tinham ido me buscar. Me viram e racharam o bico. Muito engraçado. E aí, vamos embora? A muito custo, conseguiram levar uma enfermeira pro quarto. Ih, pra ir embora tem que esperar o médico pra ele dar alta. Cadê o gajo? Só depois das duas da tarde. Era quase meio-dia e eu realmente não tinha intenção de ficar ali um minuto mais. Levantei, tirei o camisolão, achei minhas calças e saímos fora.

Não fomos longe: paramos num buteco logo em frente. Sentei. Olhei o dia: nublado, feio. Respirei. E finalmente pude pedir com toda a calma possível: Uma cerveja, pelamor!

A seguir: “Bitte, ein schoppenbier”

Um comentário:

  1. pelamor! hahahahahahaha!

    sério, seus textos me fazem rir a lot!

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