quarta-feira, 11 de julho de 2007

Esconde-esconde com a morte 5

Doce ilusão

Depois da confusão na lanchonete, tentando retomar o fio da meada, me acalmar e não me mijar, fomos pra cidade. Rodamos na noite e paramos na frente de um bar, que me escapa o nome agora. Era rústico, mas recomendado. Era fechado, tinha que pegar ficha e tinha couvert. Naquele momento, parecia um abrigo. O grupo que ia tocar era conhecido, os caras sempre iam ao jornal. MPB pop era a especialidade, som dançável. Entramos. Apesar do som alto e de estar lotado, escuro e esfumaçado, a adrenalina começou a descer. Tava seguro, gente nova, mulherada, e, principalmente, cerveja, que era tudo que a gente tava precisando. Começamos a descontrair, finalmente. E dançamos muito, tomando umas e já esquecendo as agruras anteriores. O ambiente cheio e escuro parecia dar proteção e arriscávamos até umas azarações.

Não me lembro quanto tempo fiquei naquele relax todo. Foi o suficiente para esquecer o que houvera. Mas, pra variar, a coisa nunca é tão simples. O cara que me apontou a arma, o tal amigo do gorila, de repente tava ali, do meu lado. Eu pulando, suando que nem um cavalo acompanhando o som, as luzes colorindo tudo, e o cara, como uma aparição, ali, me olhando. Quando me dei conta, estaquei. O cara tava vestido todo de preto. Camisa meio social, calça preta agarrada também, os caras gostavam da coisa. Parecia saído de algum rodeio. Só não vi se tava de botas. Que porra, pra quê pensar em botas nessa hora? A coisa ia feder de novo. Não deu outra.

O cara chegou de lado, pegou meu braço, me puxou e falou no meu ouvido: Vamos lá fora conversar. Conversar? Conversar o quê? Não vou não. O cara achava que eu era otário. Soltei meu braço e fiz menção de sair andando. Ele pegou de novo: Vamos lá fora. Pra quê? O Ferpão quer falar contigo. Só faltava essa. Me desvencilhei mais uma vez: Cai fora, eu não vou. É melhor vir, ele quer bater um lero contigo. Eu começava a ficar meio preocupado de novo. Ele que venha aqui dentro, a distância é a mesma. O capanguinha cowboy ficou meio confuso. Não era sempre que tinha que usar tanto raciocínio, o hardware e o software estavam obsoletos havia eras.

Quando percebeu que eu tava vazando, veio e apelou pra força. É melhor vir por bem! Não, cara, eu não vou! Eu resistia, o pessoal dançando em volta começava a sacar que tava rolando um barraco. Se afastavam e pude trocar bons passos de dança com meu par predileto da noite. Quando ele sacou que não ia conseguir me arrastar, levantou a camisa e mostrou a pistola na cintura. Se você não vier por bem, vai por mal! E sacou a arma, mas manteve apontada pro chão, meio mocozada.

(Nesse momento, um parêntese. Tenho que agradecer a todos os meus mestres e professores de capoeira. Que me ensinaram essa nobre arte. Todas as formas de movimentos no ar, em pé ou mesmo caído no chão. A arte da queda e da enganação. A verdadeira ginga. Porque só mesmo isso me deu a desenvoltura, a presença de espírito e a criatividade para aplicar tão infalível golpe naquele momento: dar no pé.)

No que ele levantou a mão pra tentar me pegar de novo, eu tava muito perto dele. Como ele se movimentou bruscamente, esbarrou em mim e aproveitei a deixa. Pra evitar ter que tomar porrada de novo, me adiantei. Fingi que tinha tomado um chega pra lá e caí em cima da multidão em volta, fazendo todo o estardalhaço possível. Abriu-se imediatamente uma clareira em volta do cara, todos falando Ohhhhh! e se voltando pra ele. Constrangido, o cuzão escondeu a arma de novo. Eu já tinha saído fora agachado, mimetizado entre as pernas de centenas de pessoas. Fui correndo até o fundo do bar. Mas não ia adiantar. Não tinha saída. Eu não sabia o que fazer. Tive a sensação de que alguma coisa não ia bem, de novo.

A seguir: "Esconde-esconde com a morte 6 – Amigos visíveis"

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