segunda-feira, 9 de julho de 2007

Esconde-esconde com a morte 4

Hambúrguer com bifas

Tava lascando as primeiras mordidas no sanduíche, laricado. Vem um carro, estaciona na frente da lanchonete, ao lado do jipe. Três caras descem. São marombados. Esquisitos. Um deles é grande paca. Loirão, cheio de cachos. Calça jeans agarrada, jaqueta jeans. É a gangue local. Flávio os conhece, cresceu trombando com os tipos. Dois deles o cumprimentam no bar. O grandão parecia meio alterado, mas mesmo assim, estava dono de si. Senta-se na minha mesa. Na minha frente. Olhando fixamente pra mim. Eu lá comendo o sanduba. Que merda, eu tinha um talento da porra pra atrair confusão. Lá vamos nós, pensei eu, em minha imponderada arrogância. Fiquei ali, fingindo que nada tava acontecendo. O cara encarando. Era grande mesmo. Fudeu.

Acho que eu não tava na terceira mordida quando o cara falou. Até então ele tava encostado na cadeira, de braços cruzados, mas se debruça em minha direção e manda: Esse teu cabelo aí é de viado, né mesmo? Na época, eu tinha cabelo. E tava grande. Há momentos cruciais nos quais nos perguntamos por quê exatamente achamos que a humanidade é algo mais que uma ameba. A minha atitude naquela hora, que eu nutria muito frequentemente em diversas ocasiões, me fez viver vários desses momentos sofríveis. Esse era um deles. Em terra estranha, sem casa, sem grana, uma noite fria, uma cidade obscura. O que mais eu poderia fazer?

Olhei fixamente para ele e devolvi: Eu não acho que um ser ignorante como você pode entender. O cara ficou vesgo de surpresa. Antes que eu desse a primeira respirada depois da última palavra, levei um tapão na orelha direita e voei longe. Cadeira, mesa e sanduba pro chão. Flávio, que tava conversando com os camaradas do cara, veio correndo. Vieram todos. Os três agarraram o animal, que vinha me pegar, berrando. Pra mostrar que eu não era de brincadeira (só pode ser brincadeira…), achei que tudo tava fudido mesmo (eu tava enganado, ainda não era aí), levantei num pulo e comecei a provocar: Filho da puta! Viado! Vem, vem! O perfeito idiota. O cara urrava e os três tentavam contê-lo. Ferpão, ô Ferpão, pára com isso! Era o Flávio falando com o cara. Ferpão. Putaquepariu, o cara se chamava Ferpão, que bosta. Eu ainda desafiando, um dos amigos dele vem e tenta me conter, me agarra pelo colarinho: Fica quieto! Eu não, quem o cara pensa que é? Fica quieto! Foi me empurrando pra calçada até eu ficar encostado no mastodonte verde. Fica quieto! Não fico! Fica, que eu sou polícia.

Mais uma vez, mandei tudo pras picas, então era agora que tava tudo fudido mesmo. Grande merda, vai fazer o quê, me prender? Calaboca! Não calo! E o cara saca da cintura uma pistola e coloca na minha testa. Calaboca! Nesse ponto eu juro que achava mesmo que tava tudo fudido. Mandei às favas a porra do universo alternativo e todas as porras alternativas que ele tinha me reservado. Berrei com toda raiva, muito provavelmente seria a última vez: Vai atirar, é? Então faz de uma vez! Nisso o Flávio chega correndo, afasta o cara. Guarda isso, o que você tá fazendo? Que infantilidade, pô! Sai fora, já pensou no que você tá fazendo? Tá maluco? O cara hesitou. Algumas pessoas já iam meio que chegando, assistindo ao deprimente espetáculo. O sujeito recuou pro seu grupinho. Flávio me mandou entrar no jipe e saímos queimando o chão. Flávio, puto: Porra! Que merda é essa? O que você tava pensando? Eu não ouvia nada, chorava pra caralho. Merda total. Mas tava tudo ok. Seguimos pra cidade. Tentar baixar a adrenalina, relaxar, esquecer. A noite prometia!

A seguir: "Esconde-esconde com a morte 5 – Doce ilusão"

Um comentário:

  1. Olá... tenho uma dúvida... por um acaso essa cidade é Jundiaí???

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