quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Outro dia

Outro dia veio uma mensagem. Que me dizia que delícias inenarráveis do passado haviam batido à minha porta. Não acreditei. Puxei uma cadeira e me sentei à mesa, batucando sem piedade o teclado. Por deus, sim, sim, sim. Faça-me feliz, mande-me pelo éter essas impressões, imagens, sensações adormecidas em um ponto distante do espaço-tempo. Qual o quê. Nada a ver, deixe pra lá, esqueça, não me importo. Não sinto mais falta. Não sinto mais nada. Bem… Na verdade, não vai fazer diferença eu dar apenas uma olhadinha, né? Só uma, um peep showzinho rápido, vai. Não! Não, não, não! Deixa disso, não é necessário. Com tanta sacanagem à vontade por aí, não preciso mais disso. Quer dizer, mais ou menos. Ah, chega! Um banho frio e tudo se arruma. Ou desaparece, literalmente.

Outro dia um ser bateu palmas no meu portão. Me ofereceu um passe para adentrar os portões do paraíso. Nuvens impressionantemente bem-feitas, luzes aconchegantes, anjos trombeteando na frente e um Jesus bonitão, branco e loiro vindo atrás flutuando em toda sua glória – ou algo que o valha. Eles foram chegando, chegando, as nuvens pareciam rolar em minha direção, as cornetas todas me ensurdecendo, o séquito chegando mais e mais perto, ficando cada vez maior, as nuvens se movimentando freneticamente, as luzes ofuscando tudo e… – Você tem Jesus no coração, irmão? – perguntou o cara, de supetão, me puxando bruscamente de meu devaneio. Então me ofereceu a paz e a vida eterna em troca de alguma coisa, talvez alguns trocados, ou quem sabe uma visita ao templo. Me lembrou das agruras do purgatório e dos horrores de fogo e gelo dos quintos. Quis saber se eu já estava pronto. Não, deixa pra depois. O sol meio quente esturricando minhas ideias. Não quero, a minha praia é outra. Fiquei então sabendo que tinha pouco tempo. A escolha, se não for a correta, será paga com a danação eterna. Ok, ok, já entendi, pode deixar, vou levar essa reconfortante reflexão pra dentro, pra baixo de meu lençol.

Outro dia minha mulher me ligou. Ou melhor, minha ex-mulher. Pra falar de cobranças, é claro. Me execrar um pouco e responder às minhas vis provocações, que eu não sou de ferro. Perguntou coisas de que eu não lembrava, como, por exemplo, por onde eu andava. Me pediu para ter mais juízo e ver se tomava jeito. Uma ponta de algum amor que sobrou? Nessa altura está mais pra piedade com um leve toque de desprezo. Não, deixa disso, não preciso de outra mamãe, sei me cuidar. Ai, que vontade de mandar ela praquele lugar. Mas depois acabo querendo dar uminha rápida, como daquela vez que ficamos sozinhos e acabou rolando, isso há muito, muito tempo. Sei, sei, ela odiou aquilo, sempre me lembra disso. Mas, enfim, as coisas acontecem. Minha filha? Queria falar com ela. Mas não tá nem aí, já tá com quinze anos. Me abandonou. Verme, será por eu ter deixado de falar com ela nos últimos, deixa eu ver, dez anos? Nada a ver, não se pode confiar nos jovens. Não adianta, não tenho jeito, eu sei, eu sei. Não precisa ficar se repetindo. A coisa não pode ficar pior. Mas a gente sempre sabe que pode, sim, é apenas a modéstia humana que nos faz pensar assim. Então tchau. Até nunca mais. Mas o pior mesmo é que eu sempre volto. Ou, na verdade, se eu nunca fui, então eu sempre estou aqui.

2 comentários:

  1. Boa Del Giorno muito bom

    alex jundiaí

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  2. Graaande Alex, meu caro, meu brô. Ei, cara, veja se pega um feriado e vem à terra das araucárias um dia, mi casa, su casa, tu bem sabes.

    Abração!

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