quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O que queremos?

O mundo dito “ocidental civilizado capitalista” está se dissolvendo. Talvez nem tanto, a grana é que manda, e os espertos e ricos sempre encontram formas de continuar em frente, explorando e expropriando todos os demais. Mas de alguma forma está caindo aquela crença cega de que o mercado resolve, de que a livre iniciativa (leia-se pessoas ou grupos sem obrigações ou regulação de nenhum poder maior público) lidera o desenvolvimento, de que a justiça social vem com o enriquecimento de alguns, que, num movimento que seria “natural”, se desdobraria posteriormente para os menos favorecidos (a clássica “vamos fazer o bolo crescer para depois dividir”). Pois bem, analistas geniais que do início do neoliberalismo (final dos 80 e início dos 90, lembram-se? dos yuppies, do charme das bolsas de valores, das fortunas sendo geradas sobre a fumaça da web...) até ontem cantavam em prosa e verso que a história havia acabado, que o capitalismo era o paraíso na terra, que corte de gastos e desregulamentação eram as trombetas dos anjos do Senhor, bem... Eles agora dão razão até a Marx e Engels! Por deus!
Governos torraram trilhões em dinheiro público para salvar bancos privados da quebradeira graças às políticas frouxas deles mesmos, numa verdadeira estatização dos prejuízos. Nessa hora, ninguém reclama da presença do Estado na economia. Mas bastou a poeira de 2008 assentar, e os mesmos bancos resgatados já estavam em busca de novas “oportunidades” e distribuindo milhões e milhões em bônus para executivos bem-sucedidos em seus postos-chave das grandes empresas. Porque, afinal, o que importa é o “resultado”, e, ao pensar que empresas quebradas num dia estavam salvas no dia seguinte, isso é um grande feito que merece remuneração à altura, muito diferente daquela que esses mesmos empresários dão aos seus “colaboradores”, que, na verdade, são os burros de carga que carregam as corporações no lombo.
E o povo foi às ruas. No tal ocidente porque viram a água batendo na bunda. No oriente, África e locais esquecido por deus porque a água já bateu na bunda, na barriga, no queixo, no nariz e já cobriu todo mundo há séculos. Estes, como os pobres daqui, só querem um pouco de dignidade: comida, saúde, alguma educação, condições mínimas para as famílias. Nos países ricos e na nossa classe média, queremos... Afinal, o que queremos? Será que realmente queremos mudanças estruturais, que protejam os Estados e a população das megacorporações, megamafiosos, megapolíticos e megaempresários que concentram cada vez mais riqueza em poucas mãos? Porque, por mais que os cretinos do Tea Party e congêneres digam que só é pobre quem quer, dinheiro é que nem água: é um recurso finito e se estiver sobrando em algum lugar é sinal de que está faltando em outro, algo tão óbvio que se chega a desconfiar. Mas é isso. É a pergunta clássica: o que você faria com um bilhão que não poderia fazer com 500 milhões? Pra que juntar tanta grana, que ficará mofando em cofres ou em zeros e uns em servidores bancários enquanto tem gente no desespero total? Sensação de poder, é claro, a psicologia explica. Mas que diabo, pra que tanto poder se no fim todo mundo vira pó e menos que pó? É uma mudança de mentalidade que é necessária.
Mas voltando à vaca fria: o que queremos? Será que não estamos nos indignando somente por causa de nossos nobres umbigos? Será que esses jovens que estão protestanto na Europa e nos EUA não voltarão satisfeitos para suas casas, seu consumo desenfreado, sua busca por status, poder e prazer momentâneo assim que alguma reivindicação for atendida? Queremos mudança ou somente mais dinheiro? Na hora de se indignar, é aquele pega pra capar. Temos como exemplo essa bobagem toda da USP, uns sem noção ocupando a reitoria, um governo acostumado a nunca ser questionado, a grande mídia ateando fogo, a classe média, claro, procurando soluções simplistas e a PM paulista, superpreparada e nem um pouco truculenta. Pronto, o circo tá armado. Manchetes e indignação pra tudo o que é lado, como se essa fosse a primeira vez que isso acontece. Fora que tem muita gente dizendo por aí que o buraco é mais embaixo, que a questão não é tão maniqueísta assim, tipo: “Os Malvados e Mimados Alunos” (colocando todos no mesmo saco, mesmo quem não é) contra os “Bonzinhos PMs Paulistas” (aqueles da Rota 66, dos assassinatos a sangue frio depois da crise do PCC, aqueles mesmos que sentaram o cacete nos professores ano passado)...
Mas voltando: por que esses que criticam com palavras tão veementes – inclusive os estudantes da USP – também não se indignam com assassinatos no campo, com a destruição dos grandes centros urbanos, com as grandes oligarquias, com o poder de manipulação da imprensa em prol de interesses de grupos específicos, com a criminosa concentração de renda, com a publicidade nos tornando meros idiotas compradores de tudo que é quinquilharia e por aí vai? Nada, né? O saco é que a mídia, que tem um poder imenso, em vez de ajudar, atrapalha e nos traz mais desinformação, mais cortinas de fumaça, mais defesa de interesses espúrios, conservadores e reacionários. Vixe, isso a gente fala desde a faculdade e nada mudou, muito pelo contrário, piorou.
O raciocínio é o mesmo para a questão que se coloca agora. Essas mesmas mídias que difundem as visões unilaterais e seus geniais “analistas” passaram os últimos vinte anos venerando o modelo neoliberal de desregulamentação, privatização selvagem, redução de investimentos do Estado e corte de benefícios da população. Claro, todos com rabo preso a empresas que deitam e rolam nesse sistema. Hoje veem seus castelos de areia ruindo e estão meio perdidos. Brasil e América Latina em franca ascenção com políticas sociais aliadas a investimento pesado e sustentados por estatais fortes e bancos públicos que não têm medo de dar crédito para manter a economia funcionando. E aí, classe média, de que lado ficaremos? É uma saia justa e tanto...
E aqui volta também a primeira pergunta. O que queremos? Queremos ser como os europeus e americanos, consumindo como gafanhotos e nos lixando para decisões tomadas sem participação popular? Pouco ligando para as grandes questões planetárias? Pouco ligando para nossos vizinhos? Queremos por aqui um novo muro igual ao que separa o Texas do México ou Israel da Cisjordânia? E depois que o planeta estiver totalmente exaurido e estivermos indo todos para o mesmo buraco, então vamos querer mudanças? Vamos culpar o governo por isso? Ou a nós mesmos? O pior é que eu sou pessimista por natureza. Não creio numa mudança do ser humano. Desde que descemos das árvores, o bordão “farinha pouca, meu pirão primeiro” é lei. E arrisca a continuar sendo.

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