sexta-feira, 29 de junho de 2007

Esconde-esconde com a morte 1

Aviso número um

Jorge Miyashiro, eterno companheiro de mesas e melosidades de bar, adora essa história e a divulga frequentemente, me pedindo inclusive para contar para amigos em comum, para desespero dos ouvintes ao terem que aturar minha falta de timing (pra ser bem gentil comigo mesmo) ao declamar causos. Enfim, acho que talvez realmente seja digna de prosa.

Era inverno. Fazia uma semana que eu tinha chegado a Jundiaí pra trabalhar num jornal. Meu camarada Flávio, que havia conhecido no carnaval dentro de uma caverna no Ribeira, era diretor de redação, mas mesmo assim era legal. Baladeiro que só. Secava o bar, como costumava dizer. Nos últimos anos, depois de tomar daime, parou com tudo, bebidas, cheiradas, fumadas e quetais. Jogou litros e litros de bons etílicos pelo ralo e começou a comer só coisas esquisitas, necas de carne. Naquela época, porém, estava em plena forma. Aliás, estávamos.

Voltando ao caso, era o primeiro sábado que eu passava em Junds, uma cidade-dormitório a exato meio caminho entre São Paulo e Campinas; hoje me parece ter evoluído um pouco mais. Fomos trabalhar de manhã. Jornal pequeno, atirávamos pra todo lado, pautando, escrevendo, editando, dirigindo carro, arrumando encrenca com prefeitura e otoridades locais e, eventualmente, publicando. Brincadeira: era jornal diário, mas não saía às segundas.

Eu tinha uma pauta pra preencher uma página de domingo dedicada a assuntos familiares. O tema era – vejam que meigo – musicalização infantil, exatamente dez anos antes de meu rebento João Pedro vir ao mundo e mostrar a real dimensão de toda essa parafernália traquitana-educativa que precisamos conhecer e consumir. O carro do jornal tinha saído, e eu tinha que chegar na tal escolinha até as 11 horas. Flavião aproveitou que tava saindo e me deu carona em seu jipão Engesa, imenso, cor verde oliva.

Távamos nos destinando ao local onde pimpolhos tamborilavam bumbos, sopravam flautinhas e rebentavam matracas nas cabeças uns dos outros quando o carro deu pau. Empacou. O cabo do acelerador tinha arrebentado. Tivemos que correr pra chamar conhecidos dele que tinham uma oficina logo ali, mas que tava quase fechando. Um cara deu um jeitinho e deu pra arrastar o carro até o local. Os caras analisaram o mastodonte verde e constataram que precisavam de uma peça nova para colocar corretamente o tal cabo. Mas isso, só na segunda. Flávio não se conformou. Fim de semana sem carro? Nada disso. Ainda mais que ele morava em um sítio em Várzea Paulista, onde eu ficava de favor. Na época, minha casa era uma mochila, ah, saudade dessa mobilidade toda.

Ou seja, ficava difícil até chegar em casa sem o bichão. Flávio tenteou que tenteou que convenceu o cara a fazer uma gambiarra. O sujeito insistiu, disse que não ia ficar bom, que o melhor era esperar. Nós, irredutíveis. Sem carro não ia dar. Aviso número um ignorado, fomos embora. Já eram umas duas da tarde, e minha pauta tinha furado, as crianças já tinham ficado de saco cheio de infernizar os professores e a escola tinha fechado.

A seguir: "Esconde-esconde com a morte 2 – O gemido do mastodonte"

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Terrestres

  • Sampa mid-day - 2

    Outras coisas legais de São Paulo:

    > Nos finais de semana agora podem-se transportar bicicletas no último vagão do metrô. Levei meu filho ao parque (do Tucuruvi ao Carandiru) e sua minúscula bicicletinha. Acho que nem precisa levar no tal bonde especial, ela pode ser carregada no cangote, mas quis prestigiar a medida. Achava que iria encontrar muitos ciclistas, mas a magrelinha do meu pequeno era a única no horário em que fui, no domingão de estréia de inverno mais quente dos últimos anos.

    >> O centro “histórico” continua lindo. Ou quase. Ou nem tanto. Tá bom, tá bom, tô até exagerando, mas uma caminhada num sábado de manhã de sol no trecho Largo São Bento -> Largo São Francisco -> Viaduto do Chá -> Teatro Municipal -> São Luiz -> República é muito legal. Os calçadões e ruas dali têm uma atmosfera que só São Paulo tem (e não tô falando da poluição, não sejam engraçadinhos). E sebos. E galerias de “importados”. E um belo visual.

    >>> Apesar da sujeira das fachadas depois da retirada dos outdoors e placas, o centro – e toda a cidade – ficou bem melhor. Falta, é claro, estimular o pessoal a pelo menos dar uma mão de tinta, um tratinho básico. Mas que ficou legal, ficou, agora dá pra ver a cidade, por pior que ela seja. Opinião de quem não vive lá, é claro. Pode ser que me mandem praquele lugar. Fiquem à vontade. Kassab no cu dos outros é refresco.

    >>>> Entretanto, como diria Jorge, o Miyashiro, São Paulo também traz um sentimento de premência, de que algo vai acontecer em breve, uma adrenalina jorrando nos tubos preparando corpo e espírito para as mais indômitas aventuras, negócios, paixões. Mas, muitas vezes, nada acontece, é só a sensação, mesmo. Na primeira cagada, isso passa.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Terrestres

  • Sampa mid-day - 1

    Fui duas vezes a São Paulo nos últimos 15 dias. Fiquei mais restrito à Zona Norte, local de nascimento de minha mulher e onde moram seus pais e irmãs. Gostei do que vi.

    > O Parque da Juventude, no local onde antes era o complexo do Carandiru, por exemplo. O parque é legal, amplo, tem bosques, muitas quadras, parquinho pras crianças. E vai ter uma escola (acho que Cefet), um pavilhão de exposições e um teatro. Uma das entradas fica ao lado do metrô Carandiru, mas ele se estende até o lado oposto do quarteirão, na Zaki Narchi.

    Ainda restam a Penitenciária do Estado, o presídio feminino e algumas outras unidades, não sei se vão ficar por ali. Mas o parque fez um rasgo de fora a fora no que antes era aquele complexo taciturno e cruel. Dos famosos pavilhões onde os heróicos pupilos de Tobias de Aguiar fizeram tiro ao alvo em presos rendidos, sobrou apenas um, que foi totalmente reformado e onde será a futura faculdade acima citada.

    Uma atração legal são os muros de vigilância. No meio do parque tem um bosque. No meio desse bosque tem umas estruturas de concreto, que seriam mais um presídio, abandonadas nos anos 90. Com um murão em volta. A mata tomou conta do pedaço. E agora, eles colocaram passarelas entre as estruturas. E escadas para subir nos muros, onde você pode andar pela canaleta de vigilância, apreciando o visual do topo das árvores.

    O parque tá bem vigiado, a segurança parece estar ok. Tem muitas quadras e uma pista de skate. Já ouvi críticas de que as quadras são ocupadas full time pelo povão do Cingapura ali do lado. É, meu bem, mas agora eles têm um local de lazer. Antes, qual era a opção? Nada, necas, nenhuma. E mesmo assim, todos se reúnem no local: os mano deixam que a classe média também se divirta em paz. E assim, todos fazem a vida na megalópole (um pouco) mais agradável. O povo do lado de cá do Tietê bem precisava de um espaço assim.

    >> Outro ponto a se destacar é a avenida Nova. Esse é o nome dado pelos locais à grande via que é uma ramificação da Ataliba Leonel e que vai até o metrô Tucuruvi, passando pela Parada Inglesa. Nunca consigo decorar o nome dessa bagaça, e acho que é por isso que ela ganhou nova denominação. Há coisa de 20 anos era um matão só; hoje, é mais uma efervescente avenida da supercap, sempre para cima, rumo ao desenvolvimento, ao crescimento e ... paremos por aqui. Mas está até legal. Tem alguns botecos transados onde dá pra tomar um chopp e uma cerva olhando o movimento. Tem pub, lanchonetes, farmácias, enfim, toda parafernália para não ter que cruzar as pontes sobre o rio rumo às zonas mais centrais e/ou badaladas. E é até razoável pra dar uma corrida de manhã, à tardinha ou mesmo à noite.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Algum lugar - 2

Pela milésima quinta vez, Jorge me desafia: “Não podemos ficar assim, sem agitar, sem reconhecimento”, “precisamos produzir algo”, me cobra ele. E, mais uma vez, tento me esquivar. Mas ele é japa, já flertou com todas as artes marciais. Seus golpes, se não tão precisos, são certeiros. Inútil resistir. Tento questionar, e ele diz: “sou seu mestre”, e replico, contrariado: “mestre o caralho, você é meu amigo, então me ouça e fique calado”. Mais uma vez a coisa termina assim, com cada um espetando sua espada na terra e abandonando o local da contenda devido a uma grande inundação que vai chegar, prontos para retornar depois e continuar a esgrimia, tudo isso conforme história de Ito Ogami que ele me conta, e que recentemente teve suas histórias republicadas.

Sei lá, de repente uma hora ele acaba conseguindo. Sempre tive espírito caiçara demais pra tocar coisas mais profundamente. Tenho uma queda por me encostar e ficar só na flauta. Se tiver uma rede, melhor ainda. Por isso, sempre precisei de empurrões pras coisas funcionarem. Enfim, o blog teve início. Vamos ver no que dá. Evoeh!

A seguir: “Esconde-esconde com a morte”, uma aventura no Japi

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Algum lugar -1

Estamos em algum lugar esquecido por deus nesta cidade. Jardim dos Pinheiros ou alguma coisa que valha. Uma pizzaria entre Santa Felicidade e minha casa, lá pelos lados da Lamenha - mais especificamente moro em uma ponta de Almirante Tamandaré. É meia-noite de uma quarta-feira de quase inverno. E é de se perguntar por quê dois caras inteligentes, com cultura geral ampla, capacidade de mobilização e espírito crítico acima da média nacional estão perdidos nessa realidade tão árida de idéias, de criatividade e calor humano.

Na verdade pra mim não faz a mínima. Minha pouca capacidade de entoar relacionamentos novos, e mesmo meu autismo particular, me impedem de querer mais do que tenho em termos de relacionamento com a sociedade. Até quero, mas não consigo. O passar dos anos me trouxe uma indulgente auto-complacência, o que me deixa em situação confortável nesse sentido. A suposta experiência adquirida até me faz conseguir alguns colegas de trabalho que, sinceramente, não sei se durarão, mas que me são algo muito grato no momento. Pelo menos tenho tido alguma vida social fora da rotina de casa, família e empregão. Não que tenha do que reclamar. Tenho bons e fiéis amigos, antigos, anteriores, que sei que me amam por natureza e que estão ligados a mim para o que der e vier.

Enfim, deixando a divagação de lado, Jorge Miyashiro pra variar tenta me desafiar, ver se de mim sai alguma coisa parecida com a centelha que um dia houve na faculdade, em Bauru. Nada gay, garanto, o que falo é com relação a idéias, inconformismo, criatividade etcetera e tal. Mas pra mim, hoje em dia tão assoberbado com atividades corretas, comuns e incomensuravelmente cotidianas, nada disso tem sentido. Nem as coisas sistemáticas nem qualquer ação extrapolante, como, por exemplo, escrever um blog, coisa que ele fica me cobrando o tempo todo. Aliás, não só isso, mas o vídeo com os bonecos e algumas outra coisas mais que, confesso, não tive tempo nem saco nem culhão pra fazer por pura preguiça, receio, vergonha ou falta dela.

Voltando ao papo do blog: “Pra quê?”, digo eu. “Pra fazer algo”, diz ele. “Pra quê?”, repito, “Qual é o objetivo disso? Não tem sentido”. “Pra aproveitar esse tempo, gozar as situações, curtir a vida”, diz ele. E eu, irascível, digo que não sou assim, que não vejo motivação em nada e tudo o mais do discurso padrão. E ele, claro, serpente que é, me chacoalha: “isso é viadagem” e várias outras sentenças afiadas pra provar seu ponto de vista. Nesse momento, a oitava cerveja já jorra sua ameaça (sete Serra Maltes no Pic Nic e uma S. na pizzaria, que está quase fechando) e estamos invariavelmente imprestáveis, além de que a Lu liga, e a realidade cai como um peso de chumbo estabilizando um anzol embaixo d’água. O chamado da família.

A seguir: "Algum lugar - 2"